sábado, 27 de fevereiro de 2010

Goianos fora do contexto

– General, até que ponto o governo norte-americano, através da CIA, participou do golpe militar que derrubou o Presidente João Goulart?

Esta foi a pergunta que Rui Alencar, amigo inseparável do meu irmão Romualdo, fez ao general Muniz Aragão.

Como eles, jovens de todos os estados do país estavam reunidos no Rio de Janeiro participando do Movimento do Rearmamento Moral, na Universidade Rural do Rio de Janeiro.

Com a deposição do Presidente João Goulart por militares em março de 1964, estes, que já tinham o apoio da elite brasileira, elaboraram um plano para atrair os jovens, principalmente os estudantes a apoiar o que chamavam de Movimento Revolucionário.

Com o patrocínio do Departamento de Estado Americano foi realizado em julho de 64, o encontro nacional de estudantes secundaristas na Universidade Rural do Rio de Janeiro. Participaram delegações de todos os Estados.

A delegação goiana foi liderada pela estudante Luzalva Santos, que se empenhou em levar vários anapolinos na comitiva goiana.

A apresentação das delegações foi feita numa sexta-feira à noite onde cada uma delas ao ser chamada fazia apresentação artística de um fato marcante ou folclórico da sua região. Os paulistas encenaram uma peça com a música “São Paulo, que dá garoa, São Paulo que terra boa!”. A representação do Rio Grande do Sul se apresentou com canto e dança “Prenda minha”! E assim, a festa alegrava aos seus organizadores.

Chegada a vez de Goiás, sem que houvesse realizado qualquer ensaio, os estudantes Tauny Mendes e Nilo Sérgio decidiram encenar um diálogo preparado na última hora, representando dois trabalhadores rurais.

– E aí, compadre! Viu, se não fossem os militares, os comunistas teriam tomado conta do Brasil!

– Que é isso, compadre! Isso é conversa esfarrapada dos golpistas!

– Que golpistas, o povo deu apoio total. Não viu a campanha “Ouro para o bem do Brasil”? Todo mundo ajudou!

– Ocê não vai me dizê que colocou sua aliança na campanha!

– Eu não, mas o pessoal lá de casa deu de bom gosto brincos e colares.

– Essa campanha foi liderada pelos grandes grupos que massacram o trabalhador! É coisa de truste, compadre.

– Uai, compadre, então você está querendo dizer que foi golpe?

– Claro que foi golpe contra os interesses do povo!!

Encerrado o diálogo Tauny e Nilo foram aplaudidos entusiasticamente pelos presentes.

Apesar da boa receptividade junto a platéia, a participação dos goianos não foi incluída entre as demais para concorrer a um prêmio de melhor desempenho. Os organizadores preferiram abafar sua repercussão.

O diálogo caboclo dos goianos Tauny Mendes e Nilo Sérgio, na abertura do Movimento do Rearmamento Moral, na Universidade Rural do Rio de Janeiro, ainda era o assunto do encontro na manhã do dia seguinte quando os jovens tomavam conta de todas as dependências do ginásio de esportes, aguardando o início das preleções e debates. Dorremi, estudante de Veterinária na Universidade Rural, morador da Casa dos Estudantes,no campus universiário, gostou tanto da apresentação dos goianos, que assumiu a função de relações públicas do grupo. Onde se encontravam Romualdo Santillo, Rui Alencar, Tauny e Nilo, lá estava prestando seu assessoramento, Dorremi.

Quando o general Muniz Aragão adentrou o ginásio, os aplausos foram longos e estrepitosos. Estrategicamente acomodados estavam os goianos tão observados pela platéia quanto o preletor.

Iniciada a palestra, Aragão falou de lacaios do comunismo internacional que traziam doutrinas exóticas e alienígenas para tumultuar a inocência dos jovens brasileiros. Não se esqueceu de dizer que as forças do bem se uniram para evitar a comunização do país. Elogiou a campanha: ”Ouro para o Bem do Brasil”. Criticou a imprensa livre, artistas e intelectuais que mostravam desconfiança em relação ao novo governo. Verdadeira lavagem cerebral para uma platéia catada a dedo. Exceção, é claro, à diminuta participação anapolina, representando Goiás.

Ao final da preleção, aberta a discussão, Rui Alencar, amigo inseparável do Romualdo Santillo, foi o primeiro a fazer indagação ao general Muniz Aragão:

– General, até que ponto o governo norte-americano, através da CIA, participou do golpe militar que derrubou o Presidente João Goulart?

– Moço, não houve nenhum golpe! O que houve foi a reação popular contra os vendilhões da pátria! As forças internacionais do bem estão unidas contra doutrinas autoritárias, venham de onde vier.

Rui, totalmente fora do contexto, levantou-se do lugar em que se encontrava, dedo em riste para Aragão, gritou:

– O senhor está rodeando moita. Não respondeu minha pergunta. Perguntei se o governo norte-americano participou do golpe, usando a CIA. Me responde por favor!

Os organizadores do evento pediram a suspensão dos debates por dez minutos, enquanto se avistavam com a coordenadora da equipe goiana.

Luzalva Santos, de maneira gentil e direta, disse ao Romualdo e Rui Alencar que um norte-americano, da organização do encontro, queria falar com eles em seu gabinete. Ao chegarem lá, foram convidados a se retirarem do evento. Só tiveram a oportunidade de buscar seus pertences nos alojamentos.

No dia seguinte foi a vez de Tauny e Nilo receberem o amigável convite para também se retirarem por não se enquadrarem nas normas do evento.

Assim, a presença dos anapolinos no encontro do Movimento do Rearmamento Moral, no Rio de Janeiro, foi rápida e marcante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário