sábado, 27 de fevereiro de 2010

“O povo falou, tá falado”

O refrão da música se tornou um símbolo de resistência contra o autoritarismo, numa época em que apenas dois partidos determinavam a posição política do eleitor: ao lado das forças do governo ou a favor da oposição. Arena e MDB dividiam o palco político numa luta desigual.

“Não adianta ir contra o povo, o povo falou, tá falado!”

Sinhôzinho, músico, cantor e compositor anapolino fez esta música para a campanha de Raul Balduíno e este pequeno trecho tornou-se abertura e nome de um programa de rádio que era a voz da oposição e dava espaço para que nós, Henrique, Romualdo e eu, diariamente estivéssemos em contato com a população através das emissoras Carajá e depois Santana.

Quanto mais ferrenha a nossa oposição ao regime arbitrário e antidemocrático mais sofríamos o peso do poder federal e estadual tentando tolher nossas ações.

A perseguição aos integrantes do MDB era implacável.

A rádio Carajá de propriedade do ex-deputado Plinio Jayme havia sido adquirida e transferida sua gerência para um grupo de integrantes do MDB em 1967. Os serviços de transmissão funcionaram normalmente, com os novos gerentes, por seis anos até 1973 sem qualquer restrição do DENTEL – Departamento Nacional de Telecomunicações. A Rádio Carajá era abertamente a voz da oposição, com o programa ‘O povo falou, tá falado’.

Em fevereiro de 1973, no dia da posse do prefeito José Batista Jr., tivemos mais uma mostra da truculência e intolerância da ditadura. Naquela madrugada a Rádio Carajá havia sido invadida pela Polícia Militar e só poderia voltar a funcionar se fosse devolvida ao seu antigo proprietário. A justicativa era que o DENTEL considerava a transferência irregular, autorizando uso da força militar do Estado para invadir seus transmissores e estúdio. Tivemos que nos afastar da emissora que foi devolvida ao Sr. Plinio Jayme.

No autoritarismo em que vivíamos nada era feito dentro da lógica. Tudo girava dentro da conveniência dos ditadores. Estavam em curso novos golpes que viriam posteriormente.

Poucos meses depois, no dia 28 de agosto, o radicalismo dos adversários contra o MDB levou a cidade de Anápolis a ser transformada em Área de Interesse da Segurança Nacional, com a cassação política do prefeito eleito José Batista Jr. e prisões de companheiros.

Este radicalismo em nada contribuiu para a vitória da Arena, o partido do governo, nas eleições de 1974. Nessas eleições, os que receberam maior número de votos em Anápolis foram Henrique Santillo para deputado estadual, Lázaro Barbosa, para o Senado, e eu, para Deputado Federal.

Os eleitos tomaram posse em janeiro de 1975 e a receptividade à mensagem do MDB aumentava cada vez mais entre a população de Anápolis, empolgada com o sucesso eleitoral e político de oposição ao regime autoritário.

A cidade de Anápolis passou a ser um desafio para o partido do governo, a Arena, e para as forças de repressão que para ali direcionaram as ações da Polícia Federal e até do Dentel – Departamento Nacional de Telecomunicações, coordenado na região pelo Coronel Alarico Jácome.

A Rádio Santana, com pequena potência, 250 Watts, adquirida por integrantes do MDB, informava e mobilizava os anapolinos contra a política oficial do regime militar. A transmissão do programa “O povo falou, tá falado” era o grande obstáculo para os adversários do MDB. Sem argumentos para contrapor o que era divulgado diariamente pela emissora e incomodados com a grande receptividade na população, arquitetaram o fechamento da Rádio Santana.

O Dentel, por ordem do coronel Alarico Jácome, solicitou à Polícia Federal que fizesse plantão diário nos estúdios da Rádio Santana. Cópia do programa “O povo falou tá falado” tinha, obrigatoriamente, que ser enviada ao Dentel todos os dias. Contamos com os amigos e companheiros, advogados Vicente de Paula Alencar e Altair Garcia Pereira, o Braguinha, que se revezavam na defesa semanal dos questionamentos que eram feitos seguidamente pelo Dentel à programação jornalística da Rádio Santana.

Henrique, Romualdo e eu, estávamos sempre juntos nas decisões e sabíamos que poderiam vir duras retaliações contra a nossa emissora, mas não arrefecíamos nosso combate contra a ditadura, em favor da democracia. Diretamente de Brasília, onde exercia o mandato de Deputado Federal, eu participava diariamente do programa “O povo falou, tá falado”, levando ao ar questões nacionais ou comentando as declarações de Henrique e Romualdo. Aos sábados, em Anápolis, participava ao vivo, ao lado deles.

No início do mês de abril de 1975 circularam incessantes rumores pela cidade dando conta de que a emissora seria fechada, uma vez que nossos adversários arenistas estavam incomodados com a audiência da Rádio Santana.

No dia 7 de abril daquele ano, o Diário Oficial da União publicou Portaria nº 324 do Ministério das Comunicações, assinada pelo titular da pasta, Ministro Euclides Quandt de Oliveira, declarando perempta a concessão da Rádio Santana Ltda. de Anápolis. Foi definitivamente tirada do ar no dia 25 de maio de 1975.

O último programa “O Povo falou tá falado” foi levado ao ar de forma emocionante. Com um pronunciamento do Henrique, Deputado Estadual à época, Romualdo e eu ao seu lado dentro dos estúdios, foram encerradas as transmissões da Rádio Santana, que tiveram início em março de 1958.

Foi mais um duro golpe aplicado contra os direitos democráticos. Usaram de expedientes arbitrários durante todo o tempo para tentar calar nossas vozes. Não conseguindo, usaram da força e do autoritarismo para interromper o mais eficiente instrumento que tínhamos para comunicar com a população, a Rádio Santana Ltda.

Continuamos nossa tarefa usando as tribunas dos parlamentos, concentrações públicas e domiciliares. Intensificamos a partir daí, ainda mais, o contato direto com o povo, numa cruzada incansável e permanente pelo retorno da democracia no país.

Demorou, mas conseguimos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário