sábado, 27 de fevereiro de 2010

Respirando política

– Por favor, meninos, ao chegarmos em casa lavem este cachorro!

– Pai, disseram em coro, nós lavamos o cachorro todos os dias!

– Então lavem com shampoo, ele está fedendo demais.

Eu ouvia esta discussão do Moreira com seus filhos sem poder falar nada. Havia uma explicação para o fato de estarmos no carro com os vidros fechados, calor sufocante e aquele odor desagradável, para ser ameno com o mau cheiro que exalava.

Neste dia, no carro do Moreira, além dele estavam seus filhos, o vereador Walmir Bastos Ribeiro, companheiro fiel, com compromisso inabalável em prol da democracia, e eu.

O vereador Walmir Bastos Ribeiro foi por diversas vezes vítima da repressão do governo militar. Quando foi preso pela terceira vez, ficou detido nas dependências do Exército, em Brasília, por trinta dias.

Para tentar dar um fim a esta situação, resolvemos comunicar ao Deputado Ulysses Guimarães, Presidente Nacional do MDB, a perseguição que Walmir estava sofrendo. Ulysses recebeu Walmir e eu, em seu Gabinete em Brasília, juntamente com Anapolino de Faria, Deputado Federal representante de Anápolis e Jairo Brun, líder da bancada do MDB, que fez a denúncia da perseguição ao vereador pela tribuna da Câmara dos Deputados.

Enquanto aguardávamos o retorno de Ulysses do almoço em seu gabinete, sua secretária, como fazia habitualmente, colocou sobre a mesa sua sobremesa preferida: pudim com caramelo. Walmir, sem maior cerimônia, passou a mão no prato e comeu rapidamente o pudim do Dr. Ulysses enquanto o aguardávamos. Quando lhe contamos a perseguição sofrida pelo Walmir Bastos, ele que observava atentamente o semblante do Vereador, percebeu que o mesmo mostrava a boca ainda melada, demonstração flagrante da degustação do seu pudim. Terminada a exposição, Ulysses só teve essas palavras a dizer:

– O nosso guerrilheiro está com fome, hein?

Após o encontro, retornamos diretamente a Goiânia, onde iríamos conversar com o professor Pantaleão sobre atividades políticas na capital. Nossa intenção era realizar encontros com alunos das Universidades Federal e Católica para denunciar as perseguições e os golpistas, que através do Vereador Walmir Bastos, queriam atingir o Prefeito Henrique Santillo.

Em Goiânia, chegamos à residência de Alice Reis, minha assessora na Assembléia Legislativa, residente no Bairro Popular. Para encontrar com o professor Pantaleão, telefonei para o José Moreira, que prontamente colocou seus filhos Erick e Ludmila em sua Brasília, seguindo ao nosso encontro. Walmir, que estava exausto, suado e sem tomar banho há vários dias, foi descansar até que Moreira chegasse.

Erick e Ludimila chegaram com o pai, trazendo seu cachorro de estimação, revezando-o no colo, no banco traseiro, onde também se acomodou Walmir. No percurso, com o calor intenso, viajamos com os vidros totalmente abertos. O vento provocado pela velocidade da Brasília nos propiciava uma temperatura agradável.

Chegando à casa do professor Pantaleão, pudemos narrar-lhe todo o ocorrido com Walmir, vítima de trama sórdida de adversários políticos, incluindo integrantes do próprio MDB, que queriam promover, sem nenhuma sustentação legal, a destituição do Prefeito Santillo. Ficamos acertados de como seriam as manifestações estudantis em Goiânia.

Mal havíamos deixando o Setor Itatiaia, onde ficava a casa do Professor Pantaleão, começou a chover forte. Os vidros da Brasília foram todos fechados e o calor lá dentro ficou insuportável. Para piorar, aquele odor azedo de quem não toma banho há dias tomou conta de todo interior da Brasília. Sufocado pelo cheiro ácido e forte, Moreira reagiu, gritando para seus filhos que vinham no banco traseiro:

– Por favor, meninos, ao chegarmos em casa lavem este cachorro!

– Pai, nós lavamos o cachorro todos os dias!

– Então lavem com shampoo, ele está fedendo demais.

– Mas, pai, nós damos banho nele é com shampoo mesmo!

– Não importa, lavem duas, três ou quatro vezes, até acabar com essa catinga.

Ao chegar a Anápolis, telefonei para o Moreira, pedindo-lhe que não matasse o cachorro com tanto banho e desinfetante. O cheiro forte e quase insuportável vinha mesmo era do companheiro Walmir. Ele era assim mesmo, gostava tanto de política, principalmente a de Anápolis, que até se esquecia momentaneamente da sua higiene pessoal. Era capaz de tomar três banhos por dia, como podia ficar três ou quatro dias sem ir ao chuveiro e não sentir qualquer necessidade.

Walmir muitas vezes saía de minha casa depois da meia-noite para dormir e no outro dia, antes das sete da manhã, me acordava pelo telefone perguntando quais eram as novidades. Eu respondia que não sabia nada de novo, argumentando que assim que ele saíra, eu tinha ido para a cama e estava acordando com o seu telefonema. Ele dava uma gostosa gargalhada e começava a contar as novidades ocorridas naquele intervalo.

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