sábado, 27 de fevereiro de 2010

Virginio: um homem determinado

– O senhor não tem responsabilidade! Como acende um fogaréu desse perto da bomba de gasolina! Não vê que pode colocar fogo em tudo?

Esta foi a repreensão que meu pai recebeu como um tapa no rosto. E este acontecido causou uma grande mudança na sua vida.

Nosso pai foi um homem batalhador, desde cedo enfrentando a dureza da vida.

Primeiro de uma irmandade de onze, viveu até os dezoito anos na zona rural como trabalhador braçal. Enrico Santillo, seu pai, nasceu na Itália, vindo para o Brasil no final de 1800. Como grande parte das crianças criadas na zona rural naquela época, em plantação e colheita de café, somente calçou sua botina quando contava com 14 anos de idade. Estudou apenas até o segundo ano primário, mas era exímio na prática da aritmética. Aos dezoito anos deixou a roça saindo de Cravinhos sua terra natal mudando-se para Ribeirão Preto onde exerceu a profissão de açougueiro. Casou-se em 1935 com Elydia Maschietto Santillo, união da qual nasceram três filhos: Henrique, Adhemar e Romualdo.

Quando tinha 32 anos e Elydia 31, vieram para Anápolis, de onde nunca mais saíram. Em Anápolis foi comerciante, engarrafador da cachaça Amburaninha, vendedor de bebidas e salgados nas festas religiosas de Abadiânia Velha e Trindade e posteriormente tornou-se cerealista de pequeno comércio de compra e venda de cereais.

Morreu, ainda novo, em 1976, com 63 anos na primeira viagem de férias de sua vida. Estava em companhia de nossa mãe, Romualdo, Henrique e sua família, na cidade de Nova Almeida, ES, quando sofreu um ataque cardíaco fulminante.

A melhor fase da vida, como fazia questão de ressaltar, foi quando comprava cereais na região de Itaguaru na década de 50.

Conceituado pela correção e cumprimento da palavra, Virginio era referência para produtores do município e de cidades como Uruana, Itaguarí, Heitoraí e outras. O mesmo respeito que tinha dos pequenos e médios produtores rurais conquistara dos principais cerealistas de Anápolis, como Salim Caied, Salim Bittar, Mounir Naoum, Barbahan Helou, Halim Helou, Domingos Torres, que era o mais destacado e prestigiado corretor de cereais em Anápolis para comerciantes de São Paulo, Calixto Daguer e principalmente de seu amigo fiel Calixto Bittar.

A prova de confiança no seu trabalho sério e honesto pode ser constatada com a decisão de Calixto Bittar lhe entregando um caminhão Ford para transportar mercadoria da região de Itaguaru para Anápolis. Sem ter recursos para adquirir o caminhão, Bittar lhe entregou o veículo para que fizesse o seu trabalho e lhe pagasse posteriormente como pudesse.

Virginio sempre contava com a eficiência e companhia do seu amigo Geraldinho, que era também o motorista.

Seu único vício era fumar. Várias vezes foi a Bela Vista e Pirenópolis para buscar fumo de rolo para o cigarro que consumia. Não fumava cigarro industrializado, só mesmo o ‘pito caipira de palha’. Não desgrudava do seu maço de palha, por ele mesmo preparado, do canivete Corneta e de sua binga, com pavio de algodão, abastecida a querosene Jacaré. Fumava um cigarro atrás do outro, mesmo sem tragar.

Numa das suas viagens de retorno a Anápolis, saindo bem cedo de Itaguaru, passou por Uruíta completando o carregamento de feijão preto. Seguiu para Uruana de onde continuaria viagem, passando por Uruceres, pegando a Belém-Brasilia, um pouco antes de Rianápolis, até chegar a Anápolis.

Ao chegar a Uruana autorizou abastecer o caminhão no único posto de combustível existente naquela cidade.

Enquanto Geraldinho acompanhava o abastecimento e fazia revisão de água e óleo do veículo, Virginio continuava na cabine, fumando.

Terminado aquele cigarro, preparou-se para acender outro. A binga fez aquela labareda enorme, assustadora e o frentista ficou desesperado, gritando:

– O senhor não tem responsabilidade! Como acende um fogaréu desse perto da bomba de gasolina? Não vê que pode colocar fogo em tudo?

Virginio ouviu tudo calado, afinal não tinha o que argumentar. Pagou a conta. Quando Geraldinho deu a partida no carro e saiu, Virginio mantinha o cigarro amassado na mão. Percorridos alguns metros do local, longe da vista do frentista, desabafou:

– Um homem como eu, que nunca levou desaforo para casa, ter que passar por uma situação tão humilhante por causa de um vício é um absurdo!

Em seguida, jogou tudo fora, palha, binga, canivete, fumo, voltou para casa sem cigarro. A partir daquele momento deixou definitivamente o vício, nunca mais fumou.

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