terça-feira, 2 de março de 2010

Doutrinação do Eleitor

– Professor, preciso terminar minha casa. Estou precisando de 2 mil tijolos.

Foi esta uma das manifestações que o professor João Batista Machado ouviu ao terminar uma verdadeira aula de cidadania. Outras perguntas e questionamentos de grande parte da platéia também chegaram até o professor que usava as reuniões como único recurso que tínhamos no momento para tentar conscientizar o eleitor.

O “Pacote de Abril” de 1977 tinha sido mais um golpe na democracia tão combalida do Brasil naquela época, eliminando da Constituição Federal a eleição direta para governador e ainda transformando uma das duas vagas para o Senado em indicação pelas Assembléias Legislativas, dando origem ao chamado senador “biônico”.

Este golpe abalou o sonho de muitos companheiros que ansiavam pela eleição ao governo de Goiás.

O professor João Batista Machado era um desses companheiros.

Coerente, fiel, democrata convicto, o líder inconteste em Goianápolis ficou entre os poucos que optaram pelo MDB em seu município com o golpe de 1964.

João Batista não se desanimou, não perdeu o entusiasmo. Mudou o eixo da discussão, já que não haveria eleição para governador, passou a defender a candidatura de Henrique Santillo ao Senado, na vaga que seria disputada pelo voto popular. Eu que já fora seu colega no Colégio Estadual “José Ludovico de Almeida”, aproximei-me ainda mais das lideranças políticas goianapolinas, tendo sido apoiado em 1970, para Deputado Estadual, fazendo dobradinha com Anapolino de Faria.

Para enfrentar o efeito de altos recursos financeiros dos adversários, nossa saída era a politização do eleitor, através de reuniões e encontros.

O professor João Machado, experiente em eleições, tendo sido vereador desde quando Goianápolis era distrito de Anápolis e depois prefeito da sua cidade quando emancipada, se propôs a fazer verdadeira cruzada pela politização do eleitor, sem gastos, de forma idealista.

Decidiu sair em pregação pela conscientização do eleitor, começando com uma reunião em seu município. No dia marcado, depois de divulgação e convites pessoais, o salão de sua igreja estava cheio. Toda sua fala foi defendendo o valor do voto. Leu textos bíblicos do Velho e Novo Testamentos, mostrando a responsabilidade na escolha dos seus governantes. A atenção da platéia era total. O grupo mais a frente na platéia não tirava os olhos do preletor, acompanhando todos os seus movimentos.

Terminada aquela aula de cidadania, satisfeito pela reação positiva do auditório, o professor João Batista Machado passou a cumprimentar e agradecer a cada um de seus ouvintes. Na saída, ao se despedir dos convidados, ele ouvia:

– Professor, preciso terminar minha casa. Estou precisando de 2 mil tijolos.

– Professor, meu filho arranjou emprego na TCA e precisa de 20 cruzeiros para tirar os documentos.

– Professor, minha mulher está precisando de operação pra não criar.

– Dr. João, será que o senhor pode me arrumar uma cesta básica?

Indignado com o que ouvia, pois sua mensagem de conscientização pelo voto parecia não ter sido entendida, foi abordado por um cidadão muito bem trajado, com uma pasta na mão, chamando-o em particular.

Decepcionado e angustiado com o vicio que imaginava ter eliminado com a sinceridade da sua pregação, João Machado concedeu a atenção ao visitante e ouviu:

– Sou líder político no setor de Novo Mundo, Vila Pedroso e Palmito, em Goiânia. Posso conseguir dois mil votos para quem eu apoiar. Gostei muito daquilo que o senhor disse e quero oferecer todo esse apoio aos seus candidatos.

Satisfeito com a disposição do visitante, o professor viu que pelo menos em parte suas palavras não foram “pregação no deserto”:

– Obrigado, o senhor vai me deixar seu endereço e vou te visitar.

– Dr. João Machado, estou comprando um carro para facilitar meu trabalho.

– Fico entusiasmado com quem sabe de sua responsabilidade, pois somente com o povo politizado é que vamos tirar o Brasil da ditadura. Parabéns, foi uma honra conhecê-lo!

– Será que o pessoal para quem o senhor trabalha pode me ajudar com cinco mil cruzeiros para comprar o carro? Dou preferência pra vocês!

Mesmo com estas decepções João Batista Machado nunca desistiu de fazer política com ética e honestidade.

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