domingo, 1 de agosto de 2010

O espinafre revigorante

Publicado na edição de 01/08/2010 do jornal Diário da Manhã

Sempre gostei muito de futebol. Deixava de ir à escola para treinar com o Flamengo, no campo que ficava entre Visconde de Itauna e Benjamim Constant, no bairro São Jorge, ou com Araguaia, na Coréia, avenida Souza Ramos, na Vila Santa Isabel. Meu sonho era jogar pelo Ypiranga. Em 1957 fiz parte da sua equipe juvenil ao lado de Pepey, Zanone, Roberto, Roosevelt Guerra, Dada, Ronaldo Pistolinha, Euripinho, Roldão e Teotônio Brandão. Nosso técnico era Anastácio Ferreira Barbosa. A rapaziada alvinegra era imbatível. Em 1959 juntamente com mais quatro ou cinco juvenis fomos para a equipe titular que ganhou o campeonato daquele ano.

A maior satisfação, gloria, de qualquer atleta do futebol goiano naquele tempo, era jogar contra o Goiânia Esporte Clube. Derrotá-lo se constituía em proeza para poucos. A primeira experiência que tive num confronto assim, não foi nada confortante. Jogamos contra os juvenis de Goiânia, num jogo noturno no estádio Pedro Ludovico. Nossa seleção anapolina dos novos, perdeu para a seleção juvenil goianiense, à base do Goiânia, por 9 x 0. Alguns dias após essa humilhante derrota o Ypiranga recebeu a equipe vencedora, na festa de colocação de faixas de campeão anapolino de 59. Vingou o futebol anapolino derrotando a seleção goianiense por 2 x 1, no estádio Manuel Demóstenes.

Com a conquista do campeonato anapolino, o Ypiranga disputou o estadual vencendo a equipe do Ceres , no Vale do São Patrício, por 1 x 0. Em seguida enfrentou o todo poderoso Goiânia Esporte Clube no estádio Manoel Demóstenes. Goiânia contava, dentre outros, com Uberaba, Manduca, Cisquinho, Foca, Salsicha, Lili, Osmar e outros consagrados craques do futebol goiano.

As acanhadas depedências do estádio estavam superlotadas. O Goiânia dominava a partida. Quem marcou primeiro foi o Ypiranga, numa jogada bem tramada de Glicério, Guerrinha e Edson Galdino. Em pouco tempo Foca empatou, para Salsicha fazer 2 x 1, no minuto final do primeiro tempo. No intervalo, nós os mais novos da equipe Ypiranguista, fomos ao Botéco do Zé, reforçar nossas energias, com uma dose de capilé. Fazíamos isso desde a época que atuávamos no juvenil. O Boteco do Zé ficava do lado de fora do muro do estádio Manuel Demóstenes. Uma abertura feita no muro servia de balcão para que o público interno fizesse suas compras de bebidas alcoólicas, refrigerantes, quitandas e salgados.

Pepey, Zanone, Roberto, outros atletas e eu, sabiamos que o capilé, por ser um melado de açúcar, repunha as energias perdidas. Já era nosso hábito proceder dessa forma. Só depois íamos para o vestiário receber as instruções técnicas.

Euripinho, o mais completo driblador da nossa equipe, só se aproximava do Botéco do Zé depois que havíamos saído. Nunca tomou o capilé ao nosso lado. Nesse dia fiquei um pouco para trás e ainda o vi pedindo ao Zé:

- Quero o espinafre revigorante!

Pegando a garrafa, Zé colocou o líquido no copo e lhe entregou. Não deu para que eu pudesse perceber o que era o espinafre revigorante, pois me encontrava relativamente distante do botéco. Só sei que não era capilé. Nós que sempre tomávamos capilé, não tínhamos o habito de dar “dose para o santo.” Não retorcíamos o corpo fazendo careta. Não estalávamos o dedo indicador dando chicotada, conforme fizera Euripinho. Aguardei seu retorno para irmos ao vestiário:

- Euripinho, que é espinafre revigorante? Perguntei.

- Capilé misturado a groselha! Respondeu.

- Os dois não são a mesma coisa? Indaguei.

- Misturados produzem efeito multiplicador. Ressaltou.

No segundo tempo, bastante vermelho, suando por todos os poros, lépido e endiabrado, Euripinho desequilibrou a partida. Marcou em pouco mais de 15 minutos, dois gols que nos deram a vitória por 3 x 2. Ao final do jogo, sem teste anti-doping, Euripinho nos disse de forma espontânea que espinafre revigorante era o nome da cachaça artesanal fabricada pelo Zé.

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