quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Democracia: Conquista de Todos Nós

Quando cheguei a Brasília, em fevereiro de 1975, para exercer o mandato de deputado federal, meu primeiro ato foi visitar o ex-deputado Chico Pinto, do MDB da Bahia, cassado pela ditadura e preso nas dependências do Exército. Cassado e preso porque havia feito pronunciamento da tribuna da Câmara Federal, no pequeno expediente, protestando contra a visita ao Brasil do ditador do Chile, Augusto Pinochet, que foi recebido com honras militares enquanto milhares de chilenos sofriam todo tipo de violência. Nesse clima, iniciei meu primeiro mandato como integrante do MDB goiano.Para exercer bem o mandato, precisava ter coragem e espírito de luta. Na mesma legislatura, assisti a cassações de mandatos dos valorosos companheiros Marcelo Gato, Marcos Tito, Amaury Muller, Nadir Rosseti e Alencar Furtado. Cassações por motivação político-ideológica. Esse era o risco que nós corríamos e o preço que pagávamos por querermos liberdade e democracia.

Lysâneas Maciel era uma das figuras mais lúcidas e inteligentes da Câmara Federal na legislatura 1975/78. Revoltado e indignado com as cassações dos colegas gaúchos, Nadir Rosseti e Amaury Muller, leu os discursos que os dois fizeram num comício para as eleições municipais de Palmeira das Missões, interior do Rio Grande do Sul, e que deram origem às cassações. Ao terminar a leitura, teve seu mandato cassado. Os três, da mesma forma que Chico Pinto, faziam parte do grupo autêntico do MDB.

Com Marcos Tito, do grupo autêntico de Minas Gerais, a cassação do mandato não foi menos folclórica e revoltante. Usando o grande expediente da Câmara, discorreu sobre a economia brasileira. Fez críticas à política econômica conduzida pelo ministro Delfim Neto e apresentou sugestões para correção de rumo. Foi aparteado pelas principais figuras da Arena em plenário. Ao descer da tribuna, foi cumprimentado efusivamente pelos deputados presentes. Dois dias depois, vice-líder da Arena apresentou da tribuna um exemplar do Jornal Voz Operária, órgão oficial do proscrito Partido Comunista Brasileiro-PCB. Leu o editorial da sua primeira página, argumentando que Tito baseara nele o seu discurso.Foi cassado depois de ter ficado alguns dias em banho maria.

O líder do MDB na Câmara, deputado Alencar Furtado, também do grupo emedebista autêntico, cassado porque fez críticas à ditadura no horário eleitoral reservado pelo Tribunal Superior Eleitoral –TSE ao MDB. Marcelo Gato, cassado sob alegação de ter sido apoiado pelos comunistas de Santos e litoral paulista.

Pessoas amantes da liberdade, que lutaram intensamente contra a ditadura militarista imposta ao País por meio do golpe de 1964, estão satisfeitas e eufóricas com a solidez da nossa democracia. Lutaram contra a ditadura que garroteou os sindicatos livres, movimentos estudantis e forças populares. Ditadura que marginalizou, alienou, perseguiu, prendeu, matou e desapareceu com jovens e trabalhadores. Golpe que impediu o surgimento de verdadeiros lideres, substituídos que foram por elites dominantes e aproveitadores.

Eleição e posse de uma mulher na presidência da república, substituindo o maior líder sindical brasileiro em todos os tempos, mostra que hoje nossas instituições estão sólidas. Não correm risco de golpes pelo poderio econômico ou pelas armas. No entanto, isso não veio de mão beijada ou pelo acaso. Esse momento só foi possível pela luta dos que resistiram e acreditaram que um dia a ditadura seria derrubada.

Tenho o maior orgulho de ter participado e ajudado na construção desse momento que estamos vivendo. Afastado compulsoriamente que fui da militância estudantil em 64 – presidente da União dos Estudantes Secundaristas de Anápolis (UESA) –, ingressei no MDB, partido que ajudei formar e que tanto auxiliou na luta pela redemocratização. Batalha difícil. Contamos, na primeira hora, com pessoas humildes, os chamados descamisados. Sem terem nada mais a perder, nos seguiam numa jornada que parecia não ter fim. Posseiros, índios, garimpeiros e desempregados desesperançados foram nossos fiéis seguidores na organização do MDB inicial. Em Goiás, papel importante desempenharam os companheiros e advogados Vicente de Paula Alencar e Altair Garcia Pereira, o Braguinha, defendendo os injustiçados e espoliados.

No início dos anos 1970, fomos a Formoso defender um grupo de posseiros. Depois de ouvi-los, caminhávamos pela rua central da cidade, quando Jair, o líder do grupo e do diretório do MDB local, exclamou:

– Ali naquele Cartório Eleitoral acontecem os maiores escândalos!

– Que tipo de escândalo, Jair ? Perguntei

– Título de eleitor com fotografia trocada é o que mais tem!

- Quem lhe disse isso Jair ? Indagou, Alencar.

– O meu mesmo, está com fotografia que não é a minha!

– O nome que está no titulo é o seu e a fotografia de outra pessoa? É isso?

– Pior doutor! Nome também não é o meu.

– Nesse caso Jair, antes de denunciar alguma coisa, vá amanhã cedo ao cartório e troque o título. Você está com título de outro eleitor! – Arrematou Alencar.

Mesmo com esses líderes muitas vezes inocentes e desinformados, criamos um MDB forte e fizemos a resistência democrática.

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